domingo, 5 de abril de 2009

LUÍS CORREIA ou AMARRAÇÃO?


Alcenor Candeira Filho(*)


“Perto de lá tem vila grande – que se chamou Alegres – o senhor
vá ver.
Hoje,
mudou de nome, mudaram. Todos os nomes, eles vão
alterando.
É em
senhas.
São Romão todo não se chamou de primeiro Vila
Risonha?
O Cedro e o
Bagre não
perderam o seu? O Tabuleiro-Grande? Como
é que
podem remover um
nome assim? O
senhor concorda? (Rosa, João
Guimarães. “Grande Sertão:
Veredas”. Rio de
Janeiro, Editora José
Olympio, 1965, p. 35).



Quem lê a epígrafe poderá pensar que, na polêmica que envolve a proposta de mudança do nome da cidade de LUÍS CORREIA, eu tenha preferência pela denominação AMARRAÇÃO, por ser poética e anterior ao nome atual.
Ledo engano. Embora me amarre na palavra AMARRAÇÃO, mantenho-me fiel à convicção formada em 1982 a respeito do emprego de nome de pessoa na designação de logradouros públicos (ver adiante o artigo “ Cada Rua – Sua História” -, publicado no jornal “A AÇÃO”, ed. De 25 a 02-05-1982).
Antes que me esqueça: um dos argumentos dos defensores da mudança do nome da cidade de Luís Correia se prende à crença na existência de palavras de sabor poético em oposição a palavras não-poéticas. Na primeira categoria: saudade, estrela, liberdade, flor, amarração; na segunda: mijo, diarréia, cuspe, coruja, Luís Correia...
Ora, depois que o poeta Ferreira Gullar introduziu na poesia a palavra DIARREIA, ficaram desmoralizadas todas as teorias que falam de palavras ditas “poéticas”, a que, inclusive, me reporto no mencionado artigo “Cada Rua – Sua História”.
Vale a pena a transcrição das estrofes iniciais do poema “ A Bomba Suja”:




“Introduzo na poesia a palavra diarréia. Não pela palavra fria mas
pelo que ela semeia.Quem fala em flor não diz tudo. Quem me flor em dor diz
demais. O poeta se torna mudo sem as palavras reais.”



No desenvolvimento deste trabalho omitirei detalhes sobre os méritos morais e intelectuais (que não são poucos) do jurista, professor e escritor Luís Moraes Correia, porque os fundamentos do meu modo de pensar sobre a questão não se prendem necessariamente a dados biográficos. Há nomes de pessoa que pegam, outros que não pegam, independentemente das virtudes de cada homenageado. Exemplo: ninguém se refere ao MARACANÃ como ESTÁDIO MÁRIO FILHO, nome oficial. A denominação LUÍS CORREIA, contudo, vingou. Está, na boca do povo, amplamente consagrada, como ocorre com a de muitas outras cidades: São Paulo, São Luís, João Pessoa, Teresina...
Além de ser justa a homenagem póstuma prestada há mais de 70 anos, ao ilustre e ilustrado Luís Moraes Correia, existem outras razões que me induzem a pugnar pela conservação do atual nome da vizinha e bela cidade litorânea:
1º) o momento oportuno e conveniente para a defesa do nome AMARRAÇÃO seria antes de consumada a mudança da denominação do município, em 1935;
2º) o retorno à antiga denominação nenhuma vantagem traria agora para o município nos planos social, econômico, político, educacional, cultural, turístico, histórico, paisagístico;
3º) todas as publicações que circulam no mundo inteiro ficariam ultrapassadas e prejudicadas nas alusões à bela cidade do litoral piauiense, o que seria péssimo para o município que tem no turismo uma das principais fontes de renda.
Como avisei, vou transcrever agora o texto que publiquei no jornal “A Ação”, em 1982, a propósito de nomes de logradouros públicos, e que resume o que penso em tese sobre a questão aqui tratada:

“CADA RUA − SUA HISTÓRIA”

Li, há algum tempo, no Jornal do Brasil, uma crônica de Carlos Drummond de Andrade em que ele lamenta a preferência das autoridades brasileiras por denominações de ruas e avenidas representadas por nome de pessoas, forçando, às vezes injustificadamente, a substituição de nomes dotados de certa força poética (tipo Rua das Flores, do Passeio, da Estrela, da Saudade, do Sol, da Aurora) por nomes de pessoas que nem sempre são identificadas pelos respectivos moradores. A crônica de Drummond, a que agora me refiro apenas de memória, me




fez logo voltar a estes versos de Mário de Andrade:
Na Rua Aurora eu
nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci.

No Largo
do Paissandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi
nu.

Nesta Rua Lopes Chaves
Envelheço e envergonhado,
Nem sei
quem foi Lopes Chaves.

Mamãe! me dá essa lua,
Ser esquecido e
ignorado
Como esses nomes da rua.




Tempo depois, li outra crônica (agora não sei se do mesmo Drummond ou de Manuel Bandeira) sugerindo, na hipótese de homenagem ao homem de letras, ser preferível ao aproveitamento do próprio nome do escritor para a denominação de uma rua, praça ou avenida, a utilização do título de uma de suas obras. Nesse sentido, em lugar, por exemplo, de Rua Castro Alves, Rua das Espumas Flutuantes; em vez de Avenida Cassiano Ricardo, − Avenida Aranha – Céu de Vidro... A sugestão é interessante não só porque evidencia a obra do escritor, como também porque confere uma certa conotação artística ao nome do logradouro.
Os comentários que ora faço resultam do recente lançamento do livro de Caio Passos, CADA RUA – SUA HISTÓRIA.
Antes de ler o livro, recorri-lhe ao índice, onde constatei que poucas são as ruas, praças e bairros de Parnaíba que não foram crismadas com nomes de pessoas, especialmente nomes de santos, santas e políticos. A Rua das Flores, a da Praia e a dos Barqueiros (a primeira uma simples viela por onde não transitam automóveis, carroças, motocicletas ou bicicletas; e as outras duas, modestas ruas escondidas em fins de subúrbios desprestigiados, como se tivessem pejo do nome de batismo) são as raras ruas da cidade que guardam na denominação a força do chamado “mistério poético”.
Confesso que sempre tive a maior simpatia por nomes de ruas dotados de carga poética. Contudo, agora, após a leitura do livro de Caio Passos, fico a pensar que é de grande importância emprestar-se também a logradouros públicos nomes de pessoas ilustres. Explico-me: normalmente as pessoas imortalizadas nos nomes de ruas são aquelas que contribuíram para a fixação da realidade do passado, que nos dá, como disse o grande historiador Louis Halphen, “a chave do presente e nos permite, assim, prevenir o futuro, com conhecimento de causa”.
O livro de Caio Passos, fruto de exaustivas e pacientes pesquisas, é uma obra que engrandece Parnaíba. Como bem disse o jornalista e poeta Fonseca Mendes, “o livro em apreço não é apenas uma relação indicativa das ruas da cidade, dos seus nomes e de sua situação topográfica. Além disso, ele é uma coletânea das mais esmiuçadas pesquisas dos nomes e dos motivos desses nomes, de todas as ruas parnaibanas, incluindo numerosas biografias de vultos históricos da cidade, do Estado, do País e até da extensa lista dos santos da liturgia católica”. Acrescento: é um monumento de grande valor histórico, porque através dos nomes das ruas, bairros, praças e avenidas da cidade, na forma inteligente e segura por que são interpretados pelo autor, − traz à compreensão do leitor os acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais que fizeram de Parnaíba uma cidade de passado heróico e de presente glorioso.
Coerente com este modo de pensar, entendo que na formação de opiniões sobre se é correto ou não o tributo que a sociedade presta a determinado ser humano falecido, através do uso de seu nome na identificação de uma coisa pública, − certamente os mortais haveremos de refletir sobre o fato de que a História é feita e documentada pela humanidade, constituída mais de mortos que de vivos.
Se História é o estado das conquistas do homem do passado e dos fatores que nelas exerceram influência, − não há por que se ter preconceito contra nome de pessoa em coisa pública. Desde que pessoa falecida, é claro, como reza a Constituição Federal, e que tenha efetivamente méritos que justifiquem a honraria.

(*) Alcenor Candeira Filho é poeta, escritor, membro das Academias Parnaibana e Piauiense de Letras e secretário de educação do município de Parnaíba.

Um comentário:

Helcio Carvalho Mesquita de Araujo disse...

Depois de uma explicação poética e de muita propriedade, só resta agora pensar em como tornar a cidade de Luís Correia realmente um lugar atraente e seguro, digna a cidade, de ser considerada turística. Olhar para o passado dessa maneira (mudando nome, datas...) é perder tempo.