quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sincretismo em os “Irmãos Quixaba”

Os sertões do Piauí servem de ambiente para uma historia de incesto, infanticídio e condenações. Obra modernista, “Os Irmãos Quixaba”, de William Palha Dias, publicada em 1979, é uma narrativa ficcional com estrutura simples e de tempo cronológico perturbado apenas por um longo flash-back, que inicia no começo da história e vai até o meio do livro. A linguagem utilizada é a formal, mas com alguns traços de oralidade facilmente identificados nas primeiras páginas, para em seguida incorporar um estilo sofisticado, especialmente quando descreve a sessão de julgamento dos irmãos e réus, Alexandre e Margarida Quixaba, no Tribunal Popular do Júri, pelo assassinato de Edson, o filho deles.
Embora seja uma obra modernista, os “Os Irmãos Quixaba” também revela aspectos que bem poderiam ser relacionados ao Realismo/Naturalismo. O aspecto presente da denúncia social, característica do Modernismo, combina com os traços de verossimilhança e de representação do homem na sua dimensão animalesca, própria da outra escola literária citada.
O autor expõe o modo de vida do sertanejo piauiense através de personagens típicos como o vaqueiro, o caçador e também aquele que decide aventurar-se na cidade grande na ânsia de mitigar o sofrimento da roça. Há também uma preocupação de mostrar os estados psicológicos dos personagens, com análises de seus comportamentos e visões de mundo. Neste retrato fiel do Piauí dos anos 40 e 50 e na análise psicológica vemos a retomada dos preceitos do Realismo, que surgiu na Europa do Século XIX como negação do Romantismo e suas idealizações. Como advogado militante, William Palha Dias lançou mão do cientificismo (e este era um dos preceitos do Realismo) para analisar apenas um dos muitos crimes que tomara conhecimento de sua ocorrência no Piauí. Algumas páginas do livro são verdadeiras peças jurídicas, dado às citações do Código Penal e à generosa recorrência ao jargão próprio dos advogados, numa clara referência às ciências jurídicas como ferramenta de abordagem, fato este que remete ao Positivismo, de Augusto Comte, um dos pilares do Realismo.
Quanto à identificação de “Os Irmãos Quixaba” com o Naturalismo dá-se pela semelhança existente entre o desfecho dado por William Palha Dias para a sua obra e duas das teorias balizadoras desta escola literária, que são o Determinismo, de Hyppolite Taine, afirmando ser o homem resultado das interações do seu meio, do seu momento histórico e da sua raça; e o Evolucionismo, de Charles Darwin, que tratava da seleção natural das espécies. Como se percebe na leitura deste romance que alguns chamam de novela, há uma barreira social instransponível que impede a ascensão social de todos os personagens. Alexandre Quixaba é quem foi um pouco além, vagueando pelo Brasil, aprendendo e humanizando-se. Mas, como se estivesse predestinado, retorna às suas origens retomando o ciclo vicioso da miséria que já vinha se perpetuando de pai para filho.
A animalização do homem e da mulher, ao ponto de liberarem seus mais torpes instintos sexuais sem respeito, sequer, aos laços de consangüinidade, é outra clara identificação com o Naturalismo, embora seja, de fato um romance modernista. Mas esse sincretismo não deixa de ser uma das características do Modernismo.
Uma indicação de ter William Palha Dias se inspirado nos autores do Realismo/Naturalismo é o seu diálogo com o leitor, à moda Machado de Assis, no final do primeiro capítulo: “Portanto, ao Leitor que, por certo, e com muita razão, está curioso para ouvir os debates em torno do momentoso assunto, convido a deixar, por um instante o recinto da sessão e dar uma voltinha, tomar um cafezinho, para logo mais, voltar, quando, juntos, ouviremos os debates dos causídicos e do promotor, no desempenho do julgamento”.
Publicado no ano de 1979, o livro refere-se um período anterior, coincidente com a construção de Brasília e da Barragem de Boa Esperança, empreendimentos citados pelo autor em sua narrativa.
Um fato curioso é que logo após serem desmascarados, os criminosos Alexandre Quixaba e Margarida Quixaba, não tiveram mais sequer uma fala, sendo apenas objeto de depreciações das autoridades policiais, judiciais e da opinião pública. O estado psicológico dos dois incestuosos ficou oculto, cabendo ao leitor imagina-lo, mesmo na hora que receberam a condenação mínima prevista no Código Penal de então para o crime de matarem, dolosamente, o próprio filho, que foi de seis anos de reclusão.

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